Instalação de Hideko Honma faz homenagem a figueira centenária do Museu da Imigração
No início de 2020, uma das figueiras do jardim do Museu da Imigração, que ocupa as instalações da antiga Hospedaria dos Imigrantes, no bairro da Mooca, em São Paulo, precisou ser cortada, por motivos de segurança. Foi uma perda muito sentida, pois essa árvore testemunhou a passagem de mais de 2,5 milhões de imigrantes por essas instalações, entre 1887 e 1978. Depois, quando o Museu da Imigração foi inaugurado no local, há 27 anos, foi a vez de a figueira ver milhares de visitantes chegarem para conhecer o lugar e saber mais sobre a história de suas famílias e do país.
O museu, carinhosamente, preservou troncos, galhos e folhas da figueira e começou a pensar nas possibilidades para manter presente a memória da árvore. Decidiu convidar Hideko Honma para participar dessa proposta.
Hideko idealizou, então, uma instalação com peças de cerâmica feitas com as cinzas dos galhos: onze peças em forma de garrafa, “garrafas árvore”, suspensas, criando uma espiral que vai subindo. Compõem a obra, ainda: 368 corpos de teste, boa parte deles feitos com as cinzas da figueira, revelando diferentes cores e texturas; um caderno com anotações da pesquisa feita pela ceramista; um pouco das cinzas da árvore; e um vídeo com um poema visual, que traz imagens da árvore e do museu. Assim, das cinzas, nasceu uma nova árvore, e a figueira tornou-se obra de arte.
“Calcinadas e purificadas, [as cinzas] foram pulverizadas sobre as garrafas árvore. A 1300 °C, estas cinzas se transmutam em cor e luz, através de uma técnica que ainda estou aprendendo com os mestres ceramistas do Japão. As primeiras dez garrafas árvore deste projeto são as guardiãs desta memória. Guardiãs do tempo”, escreveu Hideko, em um texto aplicado junto à instalação.
A obra foi batizada de “1300oC Das cinzas, uma árvore” e ficará exposta no Museu da Imigração a partir de 26 de junho.
Um espaço vazio: um universo de possibilidades
A instalação foi montada em uma sala do museu que estava vazia, ou seja, um espaço cheio de possibilidades aos olhos da equipe convocada pela ceramista para concretizar a obra. Vários conceitos da cultura japonesa, bem como da essência, evolução e reflexão de Hideko sobre o seu trabalho como ceramista e artista, estão presentes na instalação.
O “ma”, ou vazio, tão presente nas artes japonesas, inspirou a obra e a narrativa espacial, visual e auditiva. O ma, ou “Vazio”, também é o título de um dos capítulos do famoso Livro dos Cinco Anéis, de Miyamoto Musashi. Refere-se, filosoficamente, à permeabilidade do tempo e trata daquilo que não tem começo nem fim. Os demais capítulos são dedicados a “Terra”, “Água”, “Vento” e “Fogo”, elementos que têm afinidade com a cerâmica. Por tudo isso, essa obra, que compila a filosofia de Musashi, também foi uma referência importante para a concepção da obra.
Para a estrutura dramática da instalação, a inspiração veio do teatro Nô, a forma mais clássica das artes cênicas do Japão. Já o vídeo é um poema visual, inspirado no Renga, um antigo poema colaborativo que os japoneses praticavam no século 12 e que deu origem à sua forma mais compacta e mais conhecida, o haicai, ou haiku. A elaboração do poema é do produtor cultural Jo Takahashi, e a produção do vídeo ficou a cargo de Rafael Salvador e Paulo Barbagli. “O objetivo do poema é sugerir significados universais que permeiam a história de todos os imigrantes, como as lembranças, as memórias, as saudades e as expectativas de um futuro melhor”, explica Takahashi.
Por falar em colaboração, esse é um ponto destacado pela artista visual e designer Flavia Sakai, que criou a concepção espacial e fez a direção geral do projeto. Junto com o também artista visual e designer Alexandre Bachiega e a arquiteta especialista em iluminação Natália Morassi, Flavia materializou a instalação no espaço oferecido pelo museu. “O processo todo aconteceu de forma colaborativa, em um fluxo espiralado potente e crescente, das conversas iniciais com a artista ao desenrolar de cada frente criativa e executiva”, afirma.
Flavia também é cocuradora da obra, junto com Jo Takahashi, e colabora há alguns anos em projetos e ações da marca da ceramista. “Hideko sempre abre espaço para visões inovadoras, ou não óbvias, sobre o seu trabalho”, conta ela. “A criação desta instalação foi uma oportunidade, e um presente, de reflexão e tradução de aspectos de sua essência, identidade e trajetória em uma narrativa expográfica – um ciclo sem início nem fim, um vazio cheio de luz, surpresa e verdade.”
1300 oC Das cinzas, uma árvore
Museu da Imigração – Rua Visconde de Parnaíba, 1.316 – Mooca – São Paulo/SP
Tel.: (11) 2692-1866
Funcionamento: de terça a domingo, das 11h às 17h (fechamento da bilheteria às 16h).
R$10 e meia-entrada para estudantes e pessoas acima de 60 anos | Grátis aos sábados
Acessibilidade no local – Bicicletário na calçada da instituição
museudaimigracao.org.br