Mari Hirata: uma presença cheia de alegria, cores e sabores
No dia 30 de maio, recebemos a triste notícia de que a chef e pesquisadora de gastronomia Mari Hirata se foi, aos 61 anos de idade. Um câncer a levou, deixando por aqui muitos admiradores saudosos. Entre eles, Hideko Honma, que tinha muita estima por Mari, conhecida por seu talento, conhecimento e alegria.
Mari Hirata era jornalista de formação, mas se encontrou no mundo da gastronomia. Começou aprendendo a fazer doces e pães na França, voltou ao Brasil para trabalhar como chef pâtissière do hotel Caesar Park e depois foi ao Japão estudar cerimônia do chá. Em dado momento, foi trabalhar na Toraya, tradicional casa de wagashi (doces japoneses) que existe desde o início do século 16, em Kyoto. Casou-se com Hisao Sato, também da Toraya, com quem teve dois filhos.
Quando o marido foi enviado para Paris para abrir o Café Toraya, Mari foi junto e fez um curso no Le Cordon Bleu, onde se destacou como uma aluna brilhante, e passou a atuar como chef e pesquisadora de gastronomia. Viveu pouco mais de 20 anos no Japão, onde dava consultoria de culinária brasileira e fazia tours gastronômicos para brasileiros em Tokyo. Vinha regularmente ao Brasil, para dar aulas, também.
Mari foi uma das chefs convidadas para o Sukiyaki do Bem, na edição de 2018, e seu arroz japonês com raízes brasileiras foi marcante, assim como era sua personalidade, alegre e generosa. Hideko compartilha aqui um pouco das boas lembranças e conversas que teve com a chef.
O primeiro encontro
A ceramista conheceu Mari no Japão, em 2012, em um jantar realizado na Embaixada do Brasil em Tóquio, por ocasião da exposição “Hideko Honma a 1300 ºC”, realizada no local.
“Já tinha ouvido falar muito sobre a sua generosa pessoa e a técnica empregada no seu trabalho. Aproximei-me da Mari san por ocasião da minha primeira exposição na Embaixada do Japão em Tokyo, em 2012.
O embaixador do Brasil na época, Marcos Bezerra Abbott Galvão, reuniu em sua residência a diretoria da Mitsubishi, patrocinadora da exposição, e meus amigos e parentes que moravam em Tokyo. O embaixador queria que eu conhecesse a Mari: uma brasileira que cozinhava e ensinava culinária brasileira com técnicas japonesas, e que fazia o maior sucesso em Tokyo. E lá estava ela, com seu sorriso enorme, cheia de simpatia e assuntos que não acabavam mais. Uma delícia!
Era uma pessoa que passeava por vários universos de saberes. Seu trabalho, voltado para as receitas bem brasileiras, com a expertise das técnicas japonesas, era um show no Japão. E as suas receitas japonesas, que muitas vezes lembravam a cozinha da obaatchan, com aquele toque de brasilidade e espontaneidade, nos deixavam impressionados aqui no Brasil. Além disso, ela tinha história e explicação técnica para todos os ingredientes, principalmente os exóticos, e suas possíveis misturas.
Lembro-me que, certa vez, almoçávamos com o jornalista Josimar Melo em um dos restaurantes do Marcelo Fernandes, e o assunto eram os muitos pequenos e invisíveis lugares para se comer bem em Tokyo. Ela contava detalhes destes e dos restaurantes mais sofisticados do Japão. Viajávamos junto com as suas histórias.”
Mari Hirata no Sukiyaki do Bem 2018
No começo de 2018, Hideko iniciou uma pesquisa sobre chawan e, junto com essa peça, o arroz também emergia nesse universo.
“Lembrei-me da Mari Hirata e do preciosismo nas suas receitas de arroz e a convidei para ser uma das chefs voluntárias para o Sukiyaki do Bem 2018. Ela aceitou prontamente, dizendo que para ela era uma alegria cozinhar e colaborar com o Ikoi no Sono. Ela manifestou querer muito estar lado a lado com outros chefs e dezenas de estudantes e aprendizes de gastronomia nesse evento para 350 convidados. O jantar beneficente aconteceu no hotel Tivoli Mofarrej, que a recebeu com uma equipe impecável. Mari esbanjou generosidade e alegria durante todo o tempo. Os aprendizes estavam super atentos e os famosos chefs estavam curiosos e solícitos ao seu lado durante o preparo e a montagem do arroz na cerâmica. Todos a auxiliaram!
Durante o planejamento, a única exigência, além de toda a liberdade de criação, era a realização de vários testes ainda no Japão. Eu precisaria enviar a amostra da cerâmica que eu já havia criado para servir a sua receita de arroz. Depois, já no Brasil, ela faria a adequação com ingredientes brasileiros. Ela pesquisou várias raízes, tubérculos e bulbos do Brasil.”
Uma conversa sobre o vazio
A peça que Mari recebeu de Hideko para acomodar sua receita de arroz não era uma chawan tradicional, mas uma outra, que lembrava uma garrafa.
“Durante o Sukiyaki do Bem, tivemos a oportunidade de conversar, e eu queria satisfazer uma grande curiosidade: eu não havia enviado uma chawan para a Mari, por ser um objeto óbvio, e queria um retorno sobre essa provocação. Ela confessou que sentiu estranhamento a princípio, mas percebeu a boa provocação e foi em frente, buscando a criativa sabedoria dos japoneses. Pensou, então, que uma peça inspirada em uma garrafa lembrava um barco, que por sua vez lembrava uma mensagem que atravessa continentes e mares. Em uma peça retangular, um pequeno monte de arroz iria muito bem, mas era preciso haver algo fresco da natureza que abraçasse o arroz, respeitasse o espaço vazio e potencializasse a forma e textura da cerâmica. Assim, enquanto o evento fervilhava, conversamos sobre a importância do espaço vazio. Foi lindo!”
Receitas de Mari Hirata
Mari Hirata publicou dois livros: “Minhas Receitas Japonesas” (Publifolha) e “Mari Hirata Sensei” (BEĨ Editora), em parceria com a ex-aluna Haydée Belda.
“Quando o livro “Mari Hirata Sensei” passou aqui pelo atelier, tentamos fazer aquele pão maravilhoso. O meu não foi muito feliz, mas algumas de minhas alunas o fizeram muitas vezes e adoraram. Tentarei novamente!”
Um legado que ilumina
Em seu perfil do Instagram, onde compartilha suas reflexões, Hideko fez uma homenagem a Mari Hirata:
“Tempo e Paciência …. amigos preciosos, profissionais conscientes, aniversários, festas, luto… passam. A certeza do agora é de que a cada passagem uma maravilhosa experiência de aprendizado nos marca para sempre, iluminando o legado da nossa existência. Muito obrigada, Mari Hirata. Siga em paz, alimentando os anjos com aquele arroz japonês recheado de raízes brasileiras de todas as cores e sabores.”