Novos olhares sobre o universo da chawan e da cerâmica

Novos olhares sobre o universo da chawan e da cerâmica

27 de dezembro de 2018 Off Por bloghideko

Uma chawan é um recipiente tão básico e tão essencial, que realmente tudo parece caber dentro dela. No último encontro do ano do Chawan Project, realizado em 18 de dezembro, a especialista em chás Carla Saueressig, a chef Telma Shiraishi, o antropólogo Victor Hugo Kebbe e o diplomata Fausto Godoy lançaram diferentes olhares sobre essa tigela japonesa. Ampliaram, dessa forma, o universo contido em uma chawan.

A última noite de Chawan Project de 2018 trouxe visões diferentes sobre a cerâmica. Foto: Nikko Fotografia

Idealizado por Hideko Honma, o Chawan Project começou em junho de 2018 e, a cada mês, trouxe um ceramista, todos eles imigrantes ou descendentes de imigrantes japoneses, para falar sobre chawan. O ciclo de palestras é realizado com o apoio da Japan House de São Paulo, da Fundação Japão e do Consulado Geral do Japão em São Paulo, e teve a participação dos ceramistas Kenjiro Ikoma, Akinori Nakatani, Kimi Nii, Shugo Izumi e Mitsue Yuba, além de Souichi Hayashi, do Centro de Chado Urasenke do Brasil.

Embora fossem sempre sobre chawan, as conversas foram todas surpreendentes, cheias de histórias e aprendizados. Desta vez também não foi diferente.

Chawan como uma forma de comunicação

Logo no início, Marcelo Araujo, novo presidente da Japan House em São Paulo, falou ao público. “Foi um privilégio para a Japan House ter recebido o projeto. Foram encontros memoráveis com gerações de ceramistas que traduzem a história dessa arte no Brasil”.

Marcelo Araujo, presidente da Japan House, abriu o evento. Foto: Nikko Fotografia

Yasushi Noguchi, cônsul-geral do Japão em São Paulo, afirmou que o projeto foi significativo no ano em que se comemorou os 110 anos da imigração japonesa no Brasil. “A cerâmica japonesa é muito popular e querida no Brasil. Gostaria de expressar meu respeito aos ceramistas”, disse.

O cônsul aproveitou para anunciar a vinda ao país, em janeiro de 2019, de Ôhi Toshio Chozaemon XI, da 11ª geração de uma família renomada que produz a cerâmica Ôhi. O mestre fará uma palestra na Japan House e depois realizará um workshop no ateliê de Hideko Honma (detalhes em breve!).

O diretor-geral da Fundação Japão, Masaru Suzaki, fala da chawan como forma de comunicação. Foto: Nikko Fotografia

Masaru Suzaki, diretor-geral da Fundação Japão, também compartilhou suas reflexões. Ele lembrou que, em uma cerimônia do chá, a chawan é a única peça que passa da mão de quem prepara o chá para a de quem o recebe. Contou ainda que, na infância, a chawan era a única peça que passava dele para a mãe e vice-versa durante as refeições, na hora de servir ou repetir a porção de arroz. “Assim, nessas trocas de chawans acontece uma comunicação. Foi isso que pensei após ouvir todas as palestras [do Chawan Project]”, afirmou.

Os princípios do wabi sabi

Jo Takahashi, diretor executivo da Do Cultural, foi o mediador da noite. Após relembrar o conceito que norteou todo o projeto, de que “um universo cabe numa chawan”, falou sobre a relação entre conteúdo e continente que existe nessa singela peça, sendo esta o “continente”, “uma palavra que lembra o mundo”. E os especialistas convidados para esse dia trouxeram, realmente, conteúdos variados e interessantes para esse mundo.

Carla Saueressig, especialista em chás e tea blender, falou sobre a origem e os princípios da estética wabi sabi. Segundo Carla, o mestre da cerimônia do chá Sen no Rikyu e o mestre ceramista Chôjirô idealizaram, ainda no século 16, o que seria uma boa matcha chawan, que, por sua vez, tem uma profunda relação com os pilares do wabi sabi: harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.

A teablender Carla Saueressig ensina como apreciar uma boa chawan para chá. Foto: Nikko Fotografia

Ao apreciar uma matcha chawan, explicou Carla, é importante “sentir o calor que passa do líquido para o recipiente, sentir a forma do objeto, e pensar em quem fez o chá e também naqueles que beberam chá a partir dessa tigela”. Também lembrou que é preciso contemplar a beleza da chawan e aproveitar o momento vivido.

Uma cerâmica que emociona

Já a chef Telma Shiraishi contou que a primeira vez que a cerâmica a emocionou foi quando visitou o ateliê de Shoko Suzuki, há mais de dez anos, na época em que estava elaborando como deveria ser o restaurante Aizomê. “Foi meu primeiro lampejo sobre wabi sabi”, disse.

Na cozinha de Telma Shiraishi, comida e cerâmica viram combinações harmoniosas. Foto: Nikko Fotografia

Desde então, Telma mantém uma relação próxima com ceramistas. Suas receitas, combinadas com as peças, formam um conjunto harmonioso.

“Como trabalho muito o visual, busco fazer com que recipiente e conteúdo estejam em equilíbrio. Sei que atingi meu objetivo quando o cliente primeiro se admira com a cerâmica e, depois de experimentar a comida, se admira com o prato”.

Criatividade na cerâmica japonesa feita no Brasil

O antropólogo Victor Hugo Kebbe, por sua vez, trouxe para o evento uma visão menos focada em estética e mais em sociedade. Segundo ele, os objetos podem ter papel importante na maneira como as pessoas se relacionam e como elas enxergam a sociedade a que pertencem. “Já foi dito aqui hoje, mas o chawan também é uma forma de pensar na comunicação e na interação entre pessoas”, explicou.

O antropólogo Victor Hugo Kebbe falou sobre como objetos mostram a relação entre as pessoas. Foto: Nikko Fotografia

Kebbe falou então que, no Japão dos anos 1930, surgiu um importante movimento de valorização da arte popular tradicional, chamado Mingei, por meio do filósofo Yanagi Sôetsu. À época, Sôetsu estava preocupado com a rápida modernização do Japão e, envolvido por um sentimento de nostalgia, buscou definir o que seria a tradicional arte japonesa.

Foi assim que alguns polos de cerâmica japoneses se tornaram conhecidos, explicou Kebbe. Nesses polos, as peças não eram definidas apenas por seu design. A forma de produção, que envolvia toda a comunidade, também era uma característica dessas artes tradicionais. Nessas vilas, muitos papeis eram bem definidos, e as mulheres eram costumeiramente encarregadas de tarefas secundárias. Por isso, no passado havia poucos talentos femininos em destaque, acrescentou Kebbe.

No Brasil, porém, muitos ceramistas que vieram para cá se libertaram dessas formas tradicionais de produção. “A imigração impulsionou uma criatividade e uma inventividade que talvez não acontecesse lá no Japão, pelo menos há 30 ou 40 anos”, explicou Kebbe.

A individualidade também se destacou aqui. “Se no Japão temos comunidades inteiras empenhadas em produzir cerâmica, no Brasil temos iniciativas individuais. É uma característica que surgiu com o fenômeno migratório.” No país há ainda muitas mulheres se destacando nessa arte, como é o caso de Hideko Honma, de Kimi Nii e de Shoko Suzuki.

Arte asiática no Brasil

O último palestrante da noite, o diplomata Fausto Godoy, dedicou a vida à Ásia, desde 1984, quando foi indicado para atuar na Índia. Por 16 anos, morou em 11 países daquele continente, como Mianmar, Bangladesh, Taiwan, Vietnã e Japão.

O diplomata Fausto Godoy atuou em 11 países da Ásia e tornou-se um entusiasta da arte asiática. Foto: Nikko Fotografia

Para ele, o Japão foi uma grande descoberta. Entre as muitas coisas que aprendeu lá, está o conceito de wabi sabi. Segundo ele, o ser humano não pode fazer nada perfeito, porque a vida não é perfeita, e isso faz parte dessa estética, bem como o zen-budismo. “É uma noção profunda que os japoneses têm da pouca perenidade da vida”, afirmou.

Ao longo de sua carreira, Godoy também se tornou um colecionador de arte asiática. “Não há diferença, na Ásia, entre as ‘fine arts’ e artes populares. Eles têm uma visão mais holística”, afirmou. O diplomata doou 2.600 peças de sua coleção para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Parte dela encontra-se atualmente em exposição.

 Argila tem vida

Muitos dos ceramistas que participaram do Chawan Project estiveram presentes nessa noite. Mas um dos destaque foi a presença da ceramista Shoko Suzuki, que não pode dar sua palestra, inicialmente prevista para julho, por ter ficado doente. “Estou muito contente de estar com vocês. Concordo com Hideko: no chawan tem um mundo”, disse. “A argila, o barro, têm vida”. Todos ficaram contentes por ela fazer questão de falar algumas palavras!

Shoko Suzuki: “há um mundo em uma chawan”. Foto: Nikko Fotografia

Campanha de crowdfunding para documentário

E assim terminou mais uma noite de Chawan Project, que também encerrou o primeiro ciclo do projeto.

“Agradeço a todos por terem vindo hoje, neste último encontro do ano, mas que não é o último do projeto”, afirmou Hideko Honma. “Agradeço por estarem aqui, porque temos que aproveitar o momento, o que estamos sentindo hoje. Agradecemos aos ceramistas que estiveram conosco, a todos os palestrantes de hoje e àqueles que nos acompanham”.

Ceramistas e especialistas se encontram no último evento do ano, para falar sobre chawan. Foto: Nikko Fotografia

Todas as palestras realizadas dentro do Chawan Project somam mais de nove horas de muito conhecimento e informação. Agora, o projeto quer fazer um documentário, para que esse conteúdo possa ser compartilhado com mais pessoas ou guardado por aqueles que vieram às palestras. Por isso, foi lançada uma campanha no Catarse, site de financiamento coletivo, para arrecadar recursos. Apoie essa ideia! Clique aqui para saber mais e participar.

Para relembrar os melhores momentos desse projeto, assista ao vídeo com um resumo das palestras:

 

E veja aqui no blog como foram as outras palestras do primeiro ciclo do projeto!

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