Ôhi Chozaemon XI fala sobre a importância da emoção em workshop de raku
O ano começou de uma maneira muito especial para quem admira e faz cerâmica no Brasil. Em janeiro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão, por meio do Consulado Geral do Japão em São Paulo, trouxe ao país o grande ceramista Ôhi (Toshio) Chozaemon XI. Ele é da 11ª. geração de uma família que atua na área da arte Kogei há 350 anos. Entre muitos compromissos aqui, voltados para a divulgação da cerâmica e da arte japonesa, esse mestre realizou um workshop de dois dias de cerâmica raku no atelier de Hideko Honma.
Sob a orientação do mestre Ôhi, 30 participantes confeccionaram chawans e acompanharam a queima das peças nos dias 25 e 26 de janeiro. O resultado – as cores inesperadas, as formas, a superfície brilhante – deixou todos admirados com essa técnica.
Um dos aspectos que mais salta aos olhos de quem vê a técnica raku pela primeira vez é a queima das peças. Após serem moldadas e esmaltadas, elas são queimadas e retiradas do forno ainda incandescentes, em alta temperatura (algo próximo a 1.000 oC, no caso do workshop realizado em São Paulo).
Poucos segundos depois, as peças são cobertas rapidamente com serragem ou papel, para resfriá-las rapidamente, e sua superfície ganha um aspecto craquelado e vitrificado. Essa técnica surgiu no Japão no século 16, e é muito associada à cerimônia do chá.
Um mestre de muitos títulos
Ôhi (Toshio) Chozaemon XI nasceu em 1958 na província de Ishikawa. O estilo de sua família, conhecido como Ôhi, surgiu em 1666, quando o primeiro Chozaemon encontrou a argila ideal para a cerâmica raku na vila Ôhi, localizada nos arredores da cidadede Kanazawa. As peças da família são até hoje muito apreciadas por suas formas e brilho.
As obras do grão-mestre podem ser encontradas em importantes galerias de arte de Nova York. Com mestrado em Artes Plásticas pela Universidade de Boston, nos Estados Unidos, ele também realiza palestras e workshops em diferentes países, divulgando a arte japonesa e a cerâmica raku. Desde 2016, o mestre Ôhi é membro consultivo do Comissário da Agência de Assuntos Culturais do Japão. Além disso, ele tem outros títulos, como o de “Daigen Yugetsu”, obtido em uma ordenação budista, e o nome de Chá “Soutan”, concedido pela Urasenke Foundation.
Sentimentos que inspiram a obra
Com todos esses títulos e currículo, a expectativa dos participantes do workshop era muito alta, e todos estavam muito animados. O primeiro dia foi dedicado a modelar as peças, e o segundo dia, a esmaltar e queimá-las.
Mestre Ôhi falou da importância de praticar e praticar. Muito. É essencial ter os fundamentos firmemente arraigados, mas, explicou, também é preciso ter cuidado para não se acomodar, e seguir continuamente na busca de novas formas de se expressar.
Uma das lições que mais chamou a atenção dos participantes foi a orientação do mestre ceramista para que pensassem em alguém querido ou amado na hora de confeccionar uma peça.
Roseli Iwamoto, que coordena um projeto de voluntariado da Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia, onde uma das principais atividades é a oficina de cerâmica, destacou esses pontos importantes relacionados à emoção e à prática. “É importante praticar, praticar e praticar. Mas não se deve esquecer o coração, o espírito, de estar fazendo algo para oferecer a outros. Isso muda completamente o fazer”, afirmou Roseli.
“É uma pessoa simples, ‘descolada’, e a forma como ele nos inspirou a fazer nossa chawan, pensando em alguém de quem gostamos, nos emocionou”, contou Iweth Kusano, outra participante.
Acácia Azevedo, professora de modelagem manual no atelier, destacou que o mestre passou orientações importantes sobre a técnica de modelagem com mão (pinch pot). Também a marcou os ensinamentos sobre como expressar-se nas peças, mesmo quando são utilitárias.
“O que achei mais bacana do mestre Ôhi foi justamente a possibilidade de aprofundar o sentido do utilitário. Foi uma oportunidade única, e pretendo ser o mais fiel possível na transmissão desse conhecimento aos meus alunos”.
Compartilhando ensinamentos
Ôhi Chozaemon XI está acostumado a dar palestras e workshops em vários países, sempre com a missão de divulgar a cerâmica raku e a arte japonesa. Embora o estilo Ôhi yaki seja praticado apenas dentro da família, existe uma cerâmica Raku que originou-se nos Estados Unidos e espalhou-se mundo afora. Assim, mestre Ôhi fala não apenas sobre o estilo de sua família, como também inclui o trabalho desse Raku mais universal na divulgação dessa forma de arte.
Para ele, por mais que o raku seja ensinado por uma pessoa, o tipo de barro disponível e a cultura local acabam tornando cada produção de raku diferente. “Se compararmos o raku com o futebol, por exemplo: no futebol existem regras que valem para todos, mas por que o Brasil é forte? Por que por trás das regras tem muita gente que pratica e tem os fundamentos fortes. Cada um tem seu estilo de jogar.”
Ainda segundo o mestre Ôhi, quanto mais pessoas compartilharem os ensinamentos que cada um vai recebendo sobre o raku, melhor. “Se as pessoas, depois de se interessarem por meu trabalho e de fazermos algo juntos, se isso se transformar em atos que possam levar à divulgação do trabalho do raku, ficarei satisfeito”.
Resultados positivos
Ao final do workshop, mestre Ôhi e Hideko Honma fizeram uma breve análise das peças produzidas pelos participantes e as autografaram. Também foram servidos chá, nas próprias chawans, e doces japoneses.
“Dei o melhor de mim para fazer a queima de suas peças”, disse ele aos participantes. “Sou suspeito para falar, mas o resultado de todos foi muito bom.” Os participantes ganharam, ainda, certificados.
Ôhi também afirmou ter ficado impressionado com o atelier de Hideko. “Vejo como a família Honma toda está unida, cada um cumprindo um papel na estrutura do atelier, e fico admirado com essa organização”, disse. “Se aqui pudesse ser um local de divulgação do raku e da arte japonesa, eu gostaria de ser uma espécie de Embaixador da Boa Vontade e vir aqui mais vezes”.
Uma experiência que ainda não terminou
Durante todo o workshop, Hideko Honma e mestre Ôhi trocaram ideias e também produziram algumas peças em conjunto. Ele propôs quebrar um pouco a “rotina” de Hideko, “desconstruindo” e fazendo intervenções em suas peças, contou a ceramista nipo-brasileira.
“Ele trouxe organicidade, amassou, desconstruiu aquela simetria que normalmente apresento em minhas peças. E gostei da ideia, porque traz um frescor àquele momento que não se repetirá mais, como uma pincelada de um sumiê ou uma caligrafia de shodô. É um momento, e a peça ficou impregnada desse valor.”
Mestre Ôhi apenas não mexeu na espiral desenhada no fundo da chawan, a já conhecida marca de Hideko Honma, por acreditar que aquilo não poderia ser alterado.
As peças foram assinadas pelos dois.
Para Hideko, a experiência com mestre Ôhi deu a ela a certeza de que está no caminho certo. “Ele me deu a segurança de que, se você se dedica a algo com o corpo todo, com todos os seus sentidos, como tato, visão, olfato, você consegue chegar aonde quer”.
A experiência com a cerâmica raku e os ensinamentos deixados por Ôhi Chozaemon XI, porém, ainda não terminaram!
Junto com parceiros e entusiastas, Hideko fará novas queimas – na fazenda Tozan, na região de Campinas (SP), e na Fundação Shunji Nishimura, em Pompeia (SP). Os resultados serão levados ao mestre, no Japão, para ouvir seus comentários e orientações. “Nós vamos dar continuidade a essa influência dele”, afirmou a ceramista.
Além do workshop, Ôhi Chozaemon XI também deu uma palestra na Japan House em São Paulo, no dia 27 de janeiro, e realizou visitas à Fazenda Tozan e ao sítio onde Hideko realiza parte de seu trabalho.